segunda-feira, 18 de maio de 2009

Eu, Putnam e o argumento da Terra Gémea

Poizé. Já há algum tempo que não vinha aqui, por falta de tempo e interesse. A verdade é que continuo filosoficamente produtiva (mais do que nunca) e, finalmente, consegui fazer disto profissão.
Quer dizer... ainda não, porque a FCT deve-me dinheiro desde Março. É só mais um bocadinho de paciência e poderei andar aí a cometer algumas excentricidades como a boa burguesa-fdp que sou.

Vamos ao que interessa... Desta vez, deixo aqui um bocadinho de Putnam, para vos mostrar o que é que eu ando a fazer às tantas da madrugada, já quando as outras criaturas da noite estão a fazer o ó-ó.

Por que razão a extensão do nosso termo (terráqueo) "água" já era a substância H2O mesmo antes de se saber que era H2O (do mesmo modo que a do termo "água" dos habitantes da Terra-Gémea era a substância XYZ antes de se saber que tinha tal composição).

O que Putman pretende com o argumento da Terra Gémea é refutar a teoria descritivista do significado que supõe que compreender um termo é estar num determinado estado psicológico (de crença ou memória), que corresponderia à apreensão (“grasping”) da sua intensão. Uma vez que a intensão determina a extensão (no sentido de que dois termos não podem ter a mesma intensão e divergirem em extensão) segue-se, em última instância, que são os nossos estados psicológicos que determinam a extensão de um termo. Empreender tal tarefa é o mesmo que perguntar se os significados estão ou não na nossa cabeça.

O argumento pretende fornecer um exemplo para termos que podem ter a mesma intensão e extensões diferentes. “Água” é o termo usado no sentido de água na Terra e no sentido de água na Terra-Gémea, só que a água na Terra é H2O e na Terra-Gémea é XYZ, ou seja, o termo assume significados diferentes.

Estendendo este argumento e imaginando dois indivíduos, Oscar1 e Oscar2, falantes da mesma língua na Terra e na Terra-Gémea, no ano de 1750, em que ainda não era sabido que água1 e água2 eram, respectivamente, constituídas por moléculas de H2O e moléculas de XYZ, temos que os dois indivíduos são duplos e têm exactamente as mesmas crenças acerca de água, ou seja, têm o mesmo estado psicológico. Eles compreendem o termo de modos diferentes, atribuem-lhe significados diferentes. (mesmo que estejamos em 1750, quando a comunidade científica não sabia que água era H20). Neste exemplo, a intensão não determina a extensão , o estado psicológico não determina o significado. “thus the extension of the term ‘water’ (and, in fact, its meaning in the intuitive preanalytical usage of that term) is not a function of the psychological state of the speaker by itself” .

Da mesma forma, chega a esta conclusão com um exemplo não-ficcional . É, neste momento, que Putnam toca naquilo que chama de “hipótese sociolinguística” que consiste no seguinte: ainda que grande parte dos falantes de uma comunidade não tenha os conhecimentos científicos que lhes permita dar as condições necessárias e suficientes de modo a determinar a extensão de um termo, certamente que podem existir, nessa mesma comunidade, falantes que estejam na posse desse conhecimento; os especialistas. Os especialistas é que podem na realidade “fabricar” a extensão de um termo. No caso de “água”, termo de género natural, esta hipótese não parece ter aplicabilidade (lembremos que em 1750 ainda não sabíamos que água era H2O nem os habitantes da Terra-Gémea estavam na posse do conhecimento que água é XYZ). Por isso, Putnam vai insistir no facto de que é através de definições ostensivas que se explicam os significados de termos de género natural.

A definição ostensiva de um termo assenta num princípio de mesmidade entre o líquido que eu estou a apontar e aquilo a que a comunidade de falantes em que me insiro chama noutras ocasiões de “água”. Este princípio é condição necessária e suficiente no caso da proposição empírica ser satisfeita, ou seja, temos que considerar esta relação como sendo, antes de mais, teórica: “whether something is or is not the same liquid as this may take na indeterminate amount of scientific investigation to determine”.
Suponha-se que Oscar1 apontava para um copo com água e dizia simultaneamente "isto é água". Perante isto, o que Putnam diz, é que podemos colocar duas hipóteses:

(i) "água" designa o que quer que seja que satisfaça "este líquido aqui" no mundo em que esta definição é usada. Caso em que tem diferentes extensões, mas o mesmo significado.
(ii) "água" designa “este líquido aqui”, em todos os mundo possíveis, o que quer que seja que satisfaça essa definição ostensiva no mundo actual.

O que está suposto em (i) é que o termo "água" designaria a água1 quando usado por Oscar1 e designaria a água2 quando usado por Oscar2. Seguindo (ii), o termo "água" designa qualquer objecto que satisfaça a relação de mesmidade com (de ser o mesmo líquido que este) a nossa água (água1). O primeiro caso assenta numa compreensão do significado de um termo baseado na apreensão da sua intensão e leva-nos a rejeitar a ideia que a extensão é determinada pela intensão, na medida em que, em (i), "água" tem a mesma intensão e diferentes extensões. O autor põe esta hipótese de parte, já que, quando afirmamos "este líquido é água", estamos a dizer que a água é o que quer que seja que se encontre na relação de mesmidade com a nossa água.

É isto que explica as nossas intuições quando achamos que a água2 não é a nossa água ou que o ouro falso não é ouro: a água2 não é água porque não é H2O, o ouro falso não é ouro porque não é Au. Estas substâncias não partilham a propriedade de ser a mesma substância que esta aqui no nosso mundo actual. Nesta medida, podemos dizer a extensão do nosso termo (terráqueo) “água” já era a substância que é H2O, mesmo antes de saber que era H2O (do mesmo modo que a do termo “água” dos habitantes da Terra-Gémea era a substância XYZ antes de se saber que era essa a sua composição química).

A terminologia usada por Putnam é que os termos de género natural são indexicais, significam o que quer que satisfaça a relação de ter as mesmas propriedades que a nossa água, o que, em última análise, é dizer que designam rigidamente no sentido kripkeano (“água” designa rigidamente o mesmo líquido em todos os mundos possíveis em que esse líquido existe) .

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Ainda às voltas com o Frame Problem


E vai ser assim até dia 15 de Setembro. Tira-me anos de vida, eh!

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Recuperar...

"O Jogo dos Possíveis – Ensaio sobre a diversidade no mundo vivo” - François Jacob – Gradiva

Um bestseller da terceira cultura pelo Nobel de Medicina de 1965 (juntamente com Jacques Monod e André Lwoff), que pretende explicar ao público em geral os mecanismos da evolução.

A ideia mais interessante que retirei deste livro de 1982 foi a noção da evolução enquanto jogo dos possíveis. Citando-me a mim própria (wee): “No segundo capítulo de O Jogo dos Possíveis de F. Jacob é-nos apresentada a teoria da evolução, segundo uma lógica dos possiveis, em que esta procede como um bricoleur. A evolução entendida como um trabalho de bricolage não tira as suas novidades do nada. Um bricoleur não tem um plano, na verdade ele até nem sabe muito bem o que vai fazer, mas recupera tudo o que encontra, até os objectos mais improváveis para daí fazer um novo objecto com utilidade. (...) No evolucionismo de Darwin, as estruturas novas são elaboradas a partir de orgãos preexistentes que, originalmente, estavam encarregados de uma tarefa, mas que progressivamente se adaptam a funções diferentes. Aquilo que Darwin chamava de pedaços de anatomia inútil são assim vestígios dalguma função mais antiga.”

Escrito de forma fluente e acessível ao grande público. Um clássico dentro do género.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O nosso B.I. genético está cada vez mais próximo

É cada vez mais uma realidade que se pressente, estamos perto da identificação individual total de "cada" ADN, de ter todas as nossas características definidoras numa bases de dados. Yay!

Saiu, hoje, mais uma notícia nesse sentido:

Holanda: Genoma da mulher sequenciado pela primeira vez
27.05.2008 - 13h22 Lusa
O genoma de uma mulher foi sequenciado pela primeira vez por investigadores holandeses. A sequenciação completa do ADN de uma mulher pode vir a aprofundar o conhecimento do cromossoma X, que as mulheres têm em duplicado.

"É a primeira mulher no mundo e o primeiro europeu cuja sequenciação de ADN será tornada pública", informa o Centro Médico Universitário de Leiden (LUMC), onde a investigação foi feita.

A investigação vai ser tornada pública em breve. Até agora o genoma humano sequenciado tinha sido de dois homens americanos e dois homens africanos da etnia Ioruba.

O código genético humano ficou totalmente estabelecido em 2003, pelo Consórcio Internacional para a sequenciação do genoma humano. Foi composto por 20 centros de sequenciação nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, China, França e Alemanha.

O genoma humano é formado por três mil milhões de bases de nucleótidos, a unidade que forma os genes, e tem entre 20 a 25 mil genes que caracterizam a nossa espécie. São estes genes que tornam cada pessoa única, dão informação acerca da cor do cabelo ou dos olhos e predispõem cada indivíduo para certas doenças como a diabetes, o cancro, a asma ou as doenças cardíacas.


Imagina-se já uma medicina totalmente personalizada, o medicamento das cruzes feito especialmente para nós, o bebé de olho azul que sempre desejámos...

Proporcionará este avanço uma medicina mais pessoal, mais humana, mais de encontro a nós, ou simplesmente o culminar da podre indústria farmacêutica? Será uma arma para o eugenismo? É possível recriar a vida em laboratório? Pode-se abrir caminho para o híbrido? E qual é o seu estatuto? - Todas estas são questões que perpassam todos os campos da filosofia e de outros saberes, e que serão colocadas, cada vez com mais insitência, nos próximos 20 anos.

Terreno fértil para cientistas e pensadores. Yay!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008






Anubi - "Kai Pilnaties Akis Uzmerks Mirtis" (1997)

“Kai pilnaties akis uzmerks Mirtis” é o único lançamento longa-duração de Anubi, banda (já defunta) vinda da improvável Lituânia.

Após o lançamento da demo de '95, “Mirties Metafora”, este nome passou a ser proferido insistentemente no meandros underground da música obscura, sinónimo da combinação (nova, na altura) entre Black Metal e Dark Ambient.

Dois anos depois, a editora italiana Danza Ipnotica lança então este álbum, peça essencial de bizarria e dissonância. Chamo-lhe um álbum impressionista. Se estão recordados das características técnicas do movimento artístico, pois bem, tentem a analogia. Pequenas e simples linhas instrumentais que, às vezes, parecem roçar o improviso, fundem-se no nosso horizonte da percepção, para criar uma estrutura, (una, ainda que dissonante).

O elemento Black Metal é aqui quase esquecido, é remetido para as vocalizações que se alternam com vozes épicas próprias das bandas de Black/Folk de Leste.

“Kai etc. etc. “é um desafio ao metal/BM tal como o conhecíamos, mas também à estética canónica que a ele associávamos. Todo o fantástico artwork do CD, próximo dos de VBE, é da autoria do vocalista Lord Ominous (RIP. Neutral) e apresenta o mesmo “avantgardismo” da música.
Tudo isto, faz deste trabalho algo de inclassificável, embora eu arrisque aconselhá-lo a fãs de VBE, Rakoth, Ephel Duath ou Fleurety. A acrescentar ainda que está fora do circuito há vários anos e que grita por reedição.

Fica aqui uma amostra, um vídeo de uma música da tape Mirties Metafora, dado que não encontrei mais nada:

http://www.youtube.com/watch?v=dUu1teYawRQ