sábado, 6 de junho de 2009

"Frege on Demonstratives" por Perry (Mindfuck alert)

Para Perry, Frege teria três formas para lidar com o problema que os demonstrativos
como“hoje” põem à sua teoria. Uma delas é preservar a identificação entre o sentido e um pensamento, isto é, o sentido enquanto valor cognitivo de um enunciado (na medida em que um pensamento é aquilo que é passível de ter um valor de verdade). Assim, a descrição que o falante associaria ao demonstrativo na ocasião do uso determinaria o seu referente.

As três objecções que Perry coloca a esta hipótese são: 1) a irrelevância da crença, 2) a não-necessidade da crença e 3) a não-suficiência da crença.

Em relação a 1), Perry afirma que o pensamento expresso por um enunciado que
contém um demonstrativo não é determinado pelo sentido que dou a esse mesmo
enunciado. O mesmo é dizer que não determina a referência. Por exemplo, é irrelevante eu acreditar que hoje é o dia 25 de Abril de 1981. Quando digo “Hoje faz sol”, o que digo é falso, se hoje é um chuvoso dia 11 de Maio de 2009. Não expressei ( o meu pensamento foi “No dia 25 de Abril de 1981 faz sol) algo verdadeiro. O valor de verdade é independente daquilo que são as minhas crenças acerca do dia em que estamos, da descrição que associo. A minha crença não determina a referência do enunciado, ela é irrelevante para esse efeito.

Relativamente a 2), a objecção da não-necessidade da crença: posso afirmar com
verdade “hoje está sol”, sem saber que dia é hoje. Podemos expressar um pensamento com um demonstrativo sem sermos capazes de oferecer alguma descrição que individualize a referência do termo “hoje”, o dia em que é proferido. Posso afirmar “hoje está sol” sem saber a que se refere “hoje”, sem saber que dia é hoje, e não deixo de poder expressar algo verdadeiro.

Para 3), a não-suficiência da crença: Perry dá o seguinte exemplo usando o termo “eu”, de modo a tornar a ideia mais clara: Heimson (mesmo acreditando que é David Hume) não pode ter o mesmo pensamento de Hume, quando ambos enunciam “Eu escrevi o Treatise”. Um pensa algo verdadeiro, o outro não e , pelo critério de diferença de pensamentos - Se S é verdadeiro y S' não, então S y S' expressam pensamentos diferentes- têm pensamentos distintos.
(A questão é: será que Heimson poderia ter o mesmo pensamento que Hume sem usar o termo “eu”, i.e., ter um pensamento verdadeiro que expresse o mesmo que “Eu escrevi o Treatise” dito por Hume? Não. )
Eliminando o demonstrativo e tentando chegar a um enunciado com sentido completo, imaginemos que Heimson, ao pensar para si próprio – Frege para manter a identificação sentido=pensamento, teria que nos dar um enunciado com sentido completo - “O autor de Inquiries escreveu o Treatise”. Embora seja um pensamento verdadeiro que se refere a Hume (tal como “Eu escrevi o Treatise quando proferido por Hume), não corresponde ao mesmo pensamento de Hume quando diz “Eu escrevi o Treatise”; podia constituir algo falso para Hume (podia não ter a mesma referência para Hume) se este tivesse tido episódios de amnésia em 1755. O que quer dizer que, mesmo neste caso, aquilo que Heimson e Hume pensam não é o mesmo. Heimson não pode chegar a uma descrição de si próprio – manter a referência -sem utilizar o termo “eu”. Não pode haver um enunciado que tenha o mesmo valor cognitivo de “Eu escrevi o Treatise” pensado pelo próprio Hume. (É aqui que Frege vai introduzir a noção da incomunicabilidade entre sentidos).

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