quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O Problema do Enquadramento e Outros Pontos de Contacto entre Filosofia e IA

A convergência entre a Filosofia e a Inteligência Artificial foi um dos meus principais temas de pesquisa neste ano que está agora acabar. Encontrei no Problema do Enquadramento (Frame Problem) um ponto de contacto privilegiado para fazer o cruzamento das várias problemáticas transversais às duas áreas, apontando, assim, um dos caminhos a serem percorridos pela filosofia deste século. Durante os próximos anos, iremos de certeza testemunhar os avanços das investigações em IA e o filósofo terá todo o interesse em segui-los de perto, de modo a decidir, de forma intelectualmente honesta, acerca de um intercâmbio que se pode revelar frutífero.

Sugestões de leitura:

Dennett, D., “Brainstorms: Philosophical Essays on Mind and Psychology” Bradford Books, 1978
Dennett, D. e Hofstadter, D. (org), "The Mind's I: fantasies and reflections on self and soul", London, Penguin Books, 1982
Dennett, Daniel, "Brainchildren - Essays on Designing Minds", London, Penguin Books, 1998
Dennett, Daniel, "Tipos de Mentes", Lisboa, Temas e Debates, 2001
Fodor, Jerry, "The Modularity of Mind: an essay on faculty psichology, Cambridge, MIT Press, Bradford Books, 1983
Ford, Kenneth M e Phylyshyn, Zenon W. (Eds.), The Robot’s Dilemma Revisited – The frame problem in artificial intelligence, New Jersey, Ablex, 1996
Searle, John, "Mente e Cérebro e Ciência", Lisboa, Edições 70, 1987

(Relembro mais uma vez que as notas de rodapé foram suprimidas.)

A divulgação dos meus textos neste blog não é mais do que uma forma de divulgar os meus interesses no âmbito da Filosofia, de modo a suscitar discussões com outros internautas interessados. Devem dirigir as vossas críticas, sugestões e argumentos para anamonteiro(at)kanguru.pt
Obrigada.

"1. Introdução
“O que torna possível uma coisa física extrair conhecimentos do mundo e explorá-los de modo a levar a cabo uma acção com sucesso?” - É uma questão com a qual os filósofos se ocupam há gerações, mas que pode também ser tomada como uma questão definidora da IA.
Questões tais como “o que é a mente?”, “o que é significar?”, “o que é o raciocínio e a racionalidade?”, “quais são as condições necessárias para reconhecer objectos na percepção?”, “O que são decisões justificadas?”, povoam não só os livros de filosofia como estão na base daquilo que é investigado em IA. Mas será que este parentesco no tipo de questões colocadas nos permite afirmar em uníssono com Dennett que a IA é, “em larga medida filosofia”?
Alguns filósofos apreciam e tiram partido destes aspectos de similitude com a IA, mas, na sua generalidade, não se mostram receptivos a este campo de investigação e, frequentemente, mesmo depois de o estudarem, concluem que este nada de novo tem para oferecer aos filósofos, para além da repetição de erros já anteriormente cometidos pela sua disciplina .
Neste trabalho, proponho-me a analisar, de forma sucinta mas clara, os diferentes pontos de cruzamento entre a filosofia e a IA, desde a legitimação filosófica da mesma até à sua recusa por filósofos como H. Dreyfus.
Centrar-me-ei, sobretudo, numa contribuição que o trabalho realizado no âmbito da IA pode trazer para o domínio filosófico, nomeadamente, o frame problem ou problema do enquadramento (que, aliás, tem servido tanto aos defensores como aos detractores da IA). Isto porque o considero uma situação privilegiada para a análise das interacções entre os dois campos visados neste trabalho.
Vou procurar esclarecer duas posições relativas ao problema, uma que o vê como uma verdadeira e nova questão epistemológica – a de Dennett; outra que parece identificá-lo com os próprios limites daquilo que podemos saber acerca da cognição/mente – a de Fodor.
Para tal, tornou-se necessário fazer algumas incursões pelo pensamento dennettiano, especialmente no que é relativo a uma teoria transversal da cognição, apoiada numa horizontalidade de tipos de mentes e numa estratégia centralista, à qual não é alheia uma perspectiva funcionalista acerca das relações corpo/mente. Igualmente, pareceu-me pertinente desenhar em linhas gerais aquilo que é a tese da modularidade e seus pressupostos, em Fodor, de forma a entender-se quais os limites que traça para o problema do enquadramento.

2. Filosofia e IA: pontos de contacto. Teste de Turing. Hubert Dreyfus e a crítica fenomenológica. O Argumento do Quarto Chinês.

Uma estreita relação com os avanços das investigações em IA é um dos factores que tem levado ao desenvolvimento da Filosofia da Mente contemporânea. Contudo, os filósofos sonham com a IA há séculos; Leibniz e Hobbes, de formas diferentes, tentaram explorar as implicações de reduzir a actividade mental a um conjunto de operações mecânicas. Descartes, no apogeu do seu mecanicismo, chega a antecipar não só a possibilidade como as consequências do Teste de Turing. Apesar deste interesse de longa data, há algo que os filósofos humanistas consideram repugnante à razão, ou somente a um certo sentido estético, e que corresponde a uma certa visão da mente que a aproxima de uma engenharia (nada tendo a ver, portanto, com o desprezo simples pelo materialismo ou pela ciência) como Dennett nota em “When Philosophers Encounter IA ”.
O velho fascínio dos filósofos não é coincidência. Dennett chama-nos a atenção para o facto de as questões da filosofia e da IA serem igualmente abstractas e gerais. Investigadores da IA e filósofos assemelham-se, na medida em que procuram responder à questão epistemológica acerca da possibilidade da cognição. Na opinião deste filósofo da mente, embora as questões da IA sejam menos abrangentes, podem ser experimentadas e, por essa via, refutadas, uma vez que são traduzíveis pela criação efectiva de sistemas e arquitecturas cognitivas (a IA é também uma engenharia de programas e de máquinas). Sob este ângulo, este tipo de experiências apresenta uma vantagem relativamente às experiências mentais que se dão em filosofia; as últimas não são reais e em tudo dependem da imaginação daquilo que pode acontecer sob determinadas circunstâncias e de uma relação de expectativa perante uma “audiência” e as suas intuições. As experiências em IA, para além de serem experiências puras sobre o mental possível, são um caminho muito mais rápido para o estudo da cognição , na medida em que é uma investigação directa que se faz “do topo para a base”, “é mais fácil deduzir competências comportamentais de arquitecturas que se desenhou do que elaborar hipóteses, da base para o topo acerca do interior de caixas negras naturais cujo comportamento se observa.”
Uma primeira tentativa de responder à questão “podem as máquinas pensar?” foi dada pelo Teste de Turing apresentado no artigo “Computing, Machinery and Intelligence” publicado na revista Mind em 1950. O teste é tido como um argumento na defesa do computacionalismo clássico e responde positivamente à possibilidade teórica de um computador finito, com uma vasta mas finita tábua de instruções ou programas, responder a questões de tal forma que possa ludibriar um interrogador anónimo quanto à sua natureza. Alan Turing identifica pensamentos com estados de um sistema definido somente pelas suas regras que lhe permitem produzir outros estados e outputs verbais, uma ideia que aliás muito em comum com as actuais teorias funcionalistas . Se o computador passar o teste de Turing, quer dizer que os estados cognitivos humanos podem ser replicados por computadores.

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Outro filósofo crítico da IA no seu sentido forte é John Searle, autor da experiência mental do Quarto Chinês , no qual identifica os processos mentais com processos semânticos que, por sua vez, liga à consciência. O argumento do Quarto Chinês constitui uma refutação do Teste de Turing e do computacionalismo clássico, no sentido em que defende a existência de uma diferença biológica essencial na mente humana que corresponde à consciência e que torna inviável toda a tentativa de redução do mental. No âmbito do seu “materialismo não-reducionista” (como o próprio o chama), a consciência é uma propriedade física do cérebro, a sua subjectividade ontológica e o facto de não a conseguirmos descrever em 3ª pessoa, impede-a de ser equiparada a qualquer outra propriedade física.

Resumindo, o que Argumento do Quarto Chinês pretende fazer passar é que estando a consciência ligada à semântica, não podemos falar em processos mentais sintácticos sem falar em semântica . Searle está interessado em demonstrar que um sistema sem semântica tem uma intencionalidade atribuída e não uma intencionalidade intrínseca. É acerca desta distinção, meramente intuitiva, que se posicionam negativamente a maior parte das críticas dirigidas ao Quarto Chinês.

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3. Dennett e uma teoria transversal da cognição: Funcionalismo. Teoria dos sistemas intencionais. Fim da barreira entre o natural e o artificial e horizontalidade no tipo de mentes.
O funcionalismo é uma teoria filosófica que surgiu como resposta ao problema mente/corpo. A partir dos anos 60, autores como Hilary Putnam, Jerry Fodor e Daniel Dennett argumentavam que as propriedades psicológicas são multiplamente realizáveis (multiply realizable).
Uma imagem exemplificativa do que é um funcionalismo é perguntar o que têm em comum as armadilhas de ratos (podem ser de madeira e queijo, de metal e veneno ou podem ser um simples cesto de papéis invertido). São todas feitas de matéria, é certo. Mas que propriedades únicas têm? Se as armadilhas de ratos são multiplamente realizáveis (multiply realizable), então não há uma propriedade física que todas as armadilhas possuam. Cada armadilha é um objecto físico, mas a propriedade de ser uma armadilha não é uma propriedade física. Da mesma forma que há várias formas de construir uma armadilha para ratos, segundo os funcionalistas, há muitas formas físicas para “construir” uma mente . ( O significaria que o software não é redutível ao hardware.)
Assim, o funcionalismo é uma doutrina que defende que o que faz de algo um estado mental não depende da sua constituição interna, mas está na maneira como funciona ou no papel que representa no sistema do qual faz parte.
Dennett parte do ponto de vista funcionalista de que não existe diferença substancial entre a inteligência natural, humana ou animal, e a inteligência dita artificial.
Baseado no que H. Simon, um dos fundadores da IA, escreve em 1969 em “The Sciences of the Artificial”, o filósofo da mente acredita que natural e artificial são apenas dois pontos de vista que não se opõem. Ainda segundo Simon, as ciências do artificial estão numa mesma linha de continuidade das ciências da natureza, sendo que a única diferença se prende com a presença de teleologia, a existência de finalidades no comportamento global de sistemas (admitindo que as considerações teleológicas são estranhas às ciências naturais). Tudo o que é artificial, na medida em que susceptível de uma explicação física, é também natural . Esta indistinção entre o natural e o artificial redunda na horizontalidade dos vários tipos de mentes, devendo todas ser analisadas numa mesma teoria do mental.

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A Teoria dos Sistemas Intencionais de Dennett é uma teoria normativa ou transcendental da mente, isto é, uma perspectiva segundo a qual os objectos são inteligíveis através de um acordo, um compromisso a priori quanto àquilo que podem ser. Teoria unicamente válida mediante uma estratégia Intencional e da suposição de que a racionalidade é constitutiva do mental enquanto tal. (no início, Dennett chama-a de abordagem centralista).
A TSI é uma teoria quiniana da interpretação de sistemas físicas supondo a racionalidade. Teoria fisicalista, funcionalista e instrumentalista acerca do mental.
A perspectiva intencional é uma estratégia para interpretar o comportamento de uma entidade (pessoa, animal, artefacto, seja o que for), tratando-a como se fosse um agente racional que pautasse a sua escolha ou acção pela consideração das suas convicções e desejos, isto é, tratar a entidade como um agente, com vista a prever e, como tal, explicar, num certo sentido, as suas acções e movimentos. É uma estratégia que adoptamos no nosso dia-a-dia, nas nossas relações mútuas e que parece corresponder a uma antropomorfização deliberada. Ao atribuir crenças e desejos particulares ao agente, baseados na sua percepção da situação e nos seus objectivos ou necessidades, acreditamos ser agora capazes de explicar e de prever as suas acções.
Um exemplo bastante elucidativo daquilo que é a adopção da estratégia intencional é o exemplo de um computador tornado num jogador de xadrez , através da implementação do programa adequado. Esse programa obedece a uma estratégia simples de interpretação: o jogador (ou computador), o agente quer ganhar e conhece as regras do jogo, assim como a distribuição das diferentes peças no tabuleiro. Prevemos a jogada do computador como se fosse um agente racional. A perspectiva intencional funciona, quer os objectivos sejam genuínos, naturais ou realmente tidos em conta pelo agente ou não.

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4. Problema do Enquadramento. Origem. Perspectivas interna e externa.
Em 1969, quando foi identificado por John McCarthy (inventor do termo IA) e Paul Hayes, o problema do enquadramento começou por ser um problema técnico dentro da IA; um problema de como criar (design) uma representação em linguagem lógica de eventos e um algoritmo-inferência associado a esta, de modo a que um sistema inteligente e autónomo, como um robô, pudesse, como consequência de levar a cabo a acção A, inferir todas e só as mudanças associadas a A.
O problema originalmente era então uma tarefa para os investigadores em IA que procuravam desenvolver modelos de raciocínio numa linguagem de representação lógica com algoritmos associados. Um exemplo: se um robô pega num objecto, um copo, digamos, e o desloca de um ponto para outro, então, deve ter inferido que a sua “mão” estava ocupada e que a sua “mão”, “braço” e copo estavam a mudar de posição relativamente ao seu centro de gravidade. Mas o robô não necessita de inferir que nem o copo nem o quarto mudaram de cor nem que a sua mão continua com o mesmo número de dedos depois de deslocar o copo. Posto assim, o problema do enquadramento é uma questão que diz respeito ao bloqueamento de um vasto número de inferências acerca do que não mudou (ou que não constitui um efeito) como resultado de uma dada acção.

De acordo com Eric Dietrich e Chris Fields , há duas formas de abordar o problema do enquadramento, de uma perspectiva externa e de uma perspectiva interna. A perspectiva externa (fora da máquina) concebe-o como um problema que diz respeito ao designer de um sistema de IA, como o de McCarthy e Hayes. O designer é alguém que tem que desenvolver, como foi acima referido, uma linguagem de representação lógica apropriada e algoritmos associados a um sistema autónomo e inteligente.
Para uma perspectiva interna (de dentro da máquina), o frame problem é um problema do próprio sistema, é uma questão de como um sistema deve correcta e eficientemente rever as suas crenças quando realiza uma tarefa (levar a cabo uma acção ou resolver algum problema) ou analisa algum input. Tanto Dennett como Fodor assumem o problema na sua inflexão interna.

5. Perspectiva interna – reformulação filosófica do problema do enquadramento – Dennett e o problema humeano da indução
O frame problem teve origem num problema técnico na IA lógica, mas foi adoptado por alguns filósofos da mente que lhe deram uma interpretação mais abrangente. A tensão entre a origem nos laboratórios de IA e o seu tratamento pelos filósofos originou um interessante e frutífero debate.
A primeira referência significativa ao problema do enquadramento na literatura filosófica foi feita por Dennett, segundo este, a questão é saber de que modo “uma criatura cognitiva com um conjunto de crenças acerca do mundo pode actualizar essas crenças, quando leva a cabo uma acção, de modo a que estas permaneçam fieis ao mundo?” Jerry Fodor, no âmbito da sua tese acerca da modularidade da mente, pergunta como “o programa de uma máquina determina que crenças o robô tem que reavaliar uma vez embarcado num dado curso de acção”.

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Ainda no mesmo artigo, o problema do enquadramento é apresentado como um problema epistemológico novo, fácil de notar, no entanto, “ignorado por gerações de filósofos”. É um problema que os humanos naturalmente resolvem, com uma solução “good enough for government work”. Na verdade, para Dennett, o que define um ser inteligente é o bom uso que damos aos nosso conhecimentos para melhorar as nossas expectativas acerca do que irá acontecer a seguir, para planear, para considerar diferentes cursos de acção, para enquadrar mais hipóteses com o objectivo de aumentar os conhecimentos que usaremos no futuro. Um ser inteligente aprende da experiência e usa o que aprendeu para fazer expectativas relativamente ao futuro. Hume explicou isso em termos de hábitos de expectativas no futuro, através do associativismo. Na perspectiva de Dennett, Hume não viu o problema porque operava num nível puramente semântico ou fenomenológico, onde todos os itens são individuados e ganham diferentes relevâncias, no quadro das nossas crenças, pelos seus significados.
Segundo Dennett, a IA é responsável pela descoberta deste problema que, embora apresente algumas semelhanças, é diferente do problema humeano da indução.

5.1. O problema do enquadramento e a tese da modularidade de Fodor. Teoria Representacional Computacional da mente. O problema do enquadramento como expressão dos limites daquilo que podemos saber acerca da cognição.

A tese da modularidade deste discípulo de Putnam é a hipótese filosófica de que a mente humana compreende uma série de módulos informacionalmente encapsulados ou faculdades verticais inatas (informationally encapsulated), juntamente com um processador central ( não-encapsulado). Os módulos são os mecanismos de inputs perceptivos, responsáveis pela audição, visão, gosto, etc... Recebem a informação do mundo exterior e processam-na e eventualmente transferem-na para o processador central. Há um ou mais módulos por faculdade perceptiva. Aquilo que compreendemos da mente é aquilo que se passa ao nível modular. Os limites da modularidade são os limites daquilo que posso compreender acerca da mente.
O processador central, como não está encapsulado informacionalmente, tem acesso a tudo o que o sistema sabe, é holístico. É, portanto, capaz de lidar com vários tipos de informação, assim como com vastas quantidades da mesma. A tarefa central deste processador é a fixação de crenças, ele integra toda a informação que passa pelos vários módulos, e “propõe” novas crenças ou hipóteses baseadas na informação integrada, procede a tentativas para confirmar as hipóteses e actualizar as crenças guardadas no sistema quando a hipótese é confirmada.

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Uma vez que já sabemos que a fixação de crenças é equivalente à confirmação científica de hipóteses e que nós fixamos crenças e confirmamos hipóteses científicas regularmente e com alguma facilidade, segue-se que a forma do processador central operar incorpora uma solução para o frame problem ( o mesmo é dizer que a confirmação científica de hipóteses incorpora a solução para o problema). Assim sendo, perceber como o trabalho de confirmação em ciência se processa e desenvolver uma teoria cognitiva do modo como as crenças são fixadas; ambas requerem saber como se resolve o problema do enquadramento. (desenvolvimento circular). Embora estejamos na posse da chave para resolução do problema, não o fazemos. (os limites da modularidade são os limites do meu entendimento acerca da mente).

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Fodor usa o problema do enquadramento para reforçar a ideia de que os processos mentais centrais - que estão envolvidos na fixação de crenças – são não-encapsulados, o que quer dizer que podem desenhar informação vinda de qualquer fonte.
Este resultado pode satisfazer alguns investigadores. Desenvolver uma teoria superior da cognição só requer perceber como os cérebros resolvem os seus problemas de enquadramento. Este filósofo da mente discorda, ao defender que o modo como os cérebros resolvem este problema vai iludir-nos até que tenhamos uma teoria global da computação, isto é, uma teoria de como um processador pode ser isotrópico e quiniano. Até agora, somos ignorantes no que diz respeito a este tipo de computação. O nosso processador central aproxima-se da racionalidade ideal de alguma forma, mas como o faz permanecerá por muito tempo um grande mistério.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Conferência sobre genética em Serralves

Rosalind Harding, cientista da Universidade de Oxford, encerra o ciclo de conferências "Crítica do Contemporâneo", na próxima quinta-feira, no auditório de Serralves (Porto). O tema da palestra será "Diversidade Genética: uma perspectiva antropológica", sendo que o trabalho de Harding se tem centrado essencialmente na genética populacional e na antropologia biológica.

Ver mais aqui.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Sugestões - Cinema I (continua...)


Programa para o Festival Temps d'Images que se realiza entre hoje (10/12) e 15/12 e que já vai no seu 4º ano:


quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Mais eventos - MLAG

Mais eventos merecedores de destaque:


Conferência MLAG

"O naturalismo psicológico de Freud de uma perspectiva contemporânea"

Richard Theisen Simanke

Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos e Doutor em Filosofia pela USP - Brasil

Local: Instituto de Filosofia da Universidade do Porto - Via Panorâmica, s/n, torre B, piso 1, Porto.

Data: 11 de Dezembro, das 15h00 às 17h20

Entrada Livre


MLAG Reading Group - Reunião Aberta
Debate sobre o artigo:

"The mind-body and the mind-mind problem of metapsychology: the explanatory gap in Freudian psychoanalysis"

Richard Theisen Simanke

Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos e Doutor em Filosofia pela USP - Brasil

Local: Instituto de Filosofia da Universidade do Porto - Via Panorâmica, s/n, torre B, piso 1, Porto.

Data: 11 de Dezembro, das 11h00 às 13h00

Para participar dessa reunião é obrigatório ler o texto. Quem quiser participar, por favor, peça o texto pelo seguinte endereço: dout03014@letras.up.pt

"Passeio Aleatório pela Ciência do Dia-a-dia "

CONVITE

A ALMEDINA e a GRADIVA têm o prazer de convidá-lo(a) a estar presente na sessão de apresentação da obra

Passeio Aleatório pela Ciência do Dia-a-dia
de Nuno Crato

A sessão terá lugar no dia 7 de Dezembro de 2007, pelas 19 horas, na Livraria Almedina do Atrium Saldanha (loja 71, 2.º piso), em Lisboa.

A apresentação da obra estará a cargo de Helena Roseta e Henrique Monteiro.

Seguir-se-á uma sessão de autógrafos.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Memética e Mundo 3

Decidi publicar excertos de alguns trabalhos que fiz enquanto pós-graduanda, todos eles de alguma forma relacionados com a minha área de estudo preferida, Filosofia da Ciência. Publicarei um por semana.

Esta semana, vou começar com "O Estatuto Científico e Epistemológico da Memética e o Mundo 3 Popperiano". Durante a realização do trabalho, cuja escolha do tema foi totalmente livre, tive a oportunidade de constatar como a memética se tem tornado um tema bastante debatido entre as comunidades de intelectuais na internet.

Infelizmente, em Portugal, desconheço qualquer tipo de investigação dentro deste tema, sendo que é difícil fazer algum tipo de encaminhamento.

No final deste post, encontrarão algumas sugestões de leitura relativas ao tema.


Qualquer sugestão, crítica ou comentário, agradeço que se seja enviado para anamonteiro at kanguru dot pt
Obrigada.

Nota: Os excertos apresentados não incluem as notas de rodapé e são apenas uma ínfima amostra de um longo trabalho de pesquisa.

Introdução
Estamos na Idade do Darwininismo Universal , a explicação evolucionista estende-se aos mais diversos domínios; ecologia, psicologia, linguística, medicina, nas mais diversas áreas das ciências sociais e humanas, desde que o biólogo Richard Dawkins introduziu, em 1976, no léxico dos académicos, a noção de meme, ou ideia que é transmitida social e culturalmente e que evolui por processos selectivos.
Embora os cépticos possam ainda colocar a questão de como é que podemos desenvolver uma teoria da evolução cultural antes de entendermos como os memes estão instanciados no cérebro, este tipo de situação tem já um precedente: Darwin chegou à teoria da evolução biológica através da selecção natural antes da descoberta dos genes. De qualquer das formas, como sublinha Susan Blackmore, no artigo “The Meme’s Eye View” , aquilo que é importante não é saber se os memes existem ou não, é saber se a memética pode conduzir a um trabalho científico coerente.

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I . A Ideia Perigosa de Dawkins
O advento da genética nos princípios do séc. XX e o seu desenvolvimento, a síntese entre a genética e a teoria da evolução nos finais da década de 30, as novas descobertas da biologia molecular a partir de 1953 levaram os cientistas a compreender, a partir de meados de 60, que o nível mais profundo em que a selecção natural actua, não é nem nos indivíduos nem nas espécies, mas nos genes, na informação que estes contêm. Genes são replicadores biológicos. Os memes seriam replicadores de uma natureza diferente. O programa de pesquisa dos memes propõe que se pode tratar as ideias e a cultura como um todo, como um processo de replicação análoga ao que mantém os genes nas populações biológicas.
Em 1976, no bestseller da 3ª cultura “O Gene Egoísta”, Richard Dawkins introduziu a noção de meme como “unidade de transmissão cultural ou de imitação” Segundo este autor, a evolução dos memes não é apenas uma análoga à evolução biológica ou genética, não é apenas um processo que pode ser metaforicamente descrito nessas linguagens, mas um fenómeno que obedece estritamente às leis da selecção natural. A teoria da evolução natural é neutra, no que se refere às diferenças entre genes e memes; estes são apenas tipos diferentes de replicadores evoluindo em meios diferentes a ritmos diferentes; “tal como os genes se propagam no pool genético, saltando de corpo para corpo através de espermatozóides ou de óvulos, também os memes se propagam a si mesmos no pool memético, saltando de cérebro para cérebro através de um processo que, num sentido lato, pode ser chamado de imitação.”
Um dos principais oponentes desta analogia (e, portanto, da teoria dos memes em geral) é o biólogo Stephen J. Gould para quem a evolução cultural actua segundo princípios completamente diferentes: “as topologias básicas da mudança biológica e cultural são completamente diferentes. A evolução biológica é um sistema de divergência constante sem reunião subsequente dos ramos. As linhagens, assim que se diferenciam, separam-se para sempre. Na história humana, a transmissão entre linhagens representa talvez a maior fonte de mudança cultural”

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A perspectiva dawkiniana acerca dos replicadores culturais é uma perspectiva mentalista, mas não é a única, convive com uma outra, a concepção behaviorista de memes tal como defendida por Gatherer, segundo o qual a noção de meme inclui primeiramente coisas empiricamente observáveis; fora da ocorrência de um evento, não há nada. O meme para existir precisa de se manifestar em comportamentos e/ou artefactos, não há algo como um repositório interno de memes.
Contudo, os maiores defensores da memética partilham da perspectiva mentalista, entre ele o filósofo da mente Daniel Dennett e a psicóloga Susan Blackmore. A última defende mesmo uma “memética radical”, acreditando que os processos meméticos podem explicar um vasto número de fenómenos, incluindo a emergência da cultura, da consciência e das noções de “self”.
Daniel Dennett em 1995 dedica um capítulo inteiro d’ “A Ideia Perigosa de
Darwin” à teoria dos memes. Na sequência daquilo a que chama de “dinâmica replicadora”, algoritmo abstracto que consiste em “repetidas interacções de selecção entre replicadores que mudam de forma aleatória” , replicadores são unidades de informação com capacidade de se autoreproduzir usando recursos de substracto material. A “dinâmica replicadora”, quando actua sob material biológico (ADN) é chamada de selecção natural.

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II. O estatuto científico e epistemológico da memética:
A perspectiva memética vai contra alguns dos axiomas centrais das humanidades. Nas nossas explicações tendemos a evitar um dos factos-base da memética, o de uma característica cultural poder ter evoluído da forma como evoluiu simplesmente porque é vantajoso para si própria”. Dizer que “um académico é um meio de uma biblioteca fazer outra biblioteca” é algo estranho de se afirmar em qualquer campo ligadoaos estudos humanos. Por outro lado, parece ainda não haver um consenso nem evidência empírica suficiente para colocar a teoria dos memes do lado das ciências.
Enquanto alguns vêem na memética “um programa de investigação não-progressivo” , outros entre eles a já referida S. Blackmore, parecem ver nesta estratégia a salvação para as ciências sociais.
O maior ataque contra o possível estatuto científico da memética vem de Dennett. Segundo este filósofo da mente, os cientistas sociais jamais terão as técnicas reducionistas que os físicos ou os biólogos dispõem. Essas técnicas permitem-lhes saber como os genes replicam usando como substracto o ADN. No entanto, no que diz respeito à evolução cultural, o meme é, antes de mais, uma classificação semântica e não sintáctica que possa estar directamente instanciada numa “brain language” ou na linguagem natural. A sintaxe dos genes está no DNA, mas, se os memes existirem no cérebro jamais seremos capazes de ler o conteúdo memético de algumas secções do córtex. ( a neurociência não fornece ainda dados relativamente a isso).
O segundo argumento de Dennett prende-se ao facto de os memes não serem replicadores apropriados. Para que a analogia com a biologia funcione, é necessário haver uma replicação de alta fidelidade (high-fidelity replication). Mas “o cérebro parece estar concebido para fazer exactamente o contrário: transformar, inventar, interpolar, censurar e, em geral, misturar a entrada (input) antes de produzir qualquer saída (output)” Na verdade, a extraordinariamente elevada taxa de mutação e de recombinação constitui uma das características marcantes da evolução e da transmissão culturais. Como aliás, notou Steven Pinker; “memes como a teoria da relatividade não são o produto cumulativo de milhões de mutações aleatórias (não-dirigidas); cada cérebro da cadeia de produção acrescentou muitos pontos de valor ao produto de uma forma não-aleatória”.

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III. O mundo 3 de Popper:
Na tentativa de nos aproximarmos de uma visão mais clara acerca do estatuto epistemológico da teoria memética há que por em suspenso as hipóteses analógicas dos memes serem ou genes ou germes (vírus da mente), e, por inspiração platónica, concebê-los como formas/ ideias. As formas não têm propriedades investigáveis, e são mais definidas do que descobertas. Ao longo da história da filosofia até Karl Popper, as formas têm sido identificadas com essências. Contudo, tudo aquilo que um biólogo deve evitar é cair no essencialismo. Através da influência de Popper, biólogos evolucionistas e filósofos atacaram o essencialismo em biologia.

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Este filósofo da ciência sugere que o contacto entre os irredutíveis mundos dos corpos físicos (mundo 1) e das mentes (mundo 2) só pode ocorrer se mediado pelas estruturas da linguagem, habitantes do mundo 3.

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O conhecimento científico pertence a este mundo 3, e epistemologia tradicional estudou o conhecimento e o pensamento num sentido subjectivo, ocupou-se apenas do mundo 2. Ao defender a autonomia do mundo dos problemas e das conjecturas, Popper teoriza uma distinção entre conhecimento objectivo e conhecimento subjectivo; o conhecimento subjectivo refere-se a um estado mental ou de consciência, a uma disposição para agir de determinada forma, já o conhecimento objectivo consiste em problemas, teorias e argumentos, é um conhecimento sem sujeito cognoscente. “O que é relevante para a epistemologia é o estudo dos problemas científicos objectivos e das situações problemáticas, das conjecturas, das discussões científicas, dos argumentos críticos e do papel desempenhado pelos elementos de juízo nos argumentos,. (...), resumindo o estudo do mundo 3, do conhecimento objectivo, em grande medida, autónomo, é de importância decisiva para a epistemologia.” , refere.
A epistemologia objectiva terá que se ocupar do mundo 3 e, pressupondo a interacção entre ambos, contribuir para o estudo do mundo 2, o da consciência subjectiva, sem ferir a autonomia do mundo das teorias. Este, apesar de ser um produto nosso e de ter um forte efeito de retroalimentação sobre nós, é um mundo verdadeiramente autónomo, é um “produto natural do animal humano, comparável a uma teia de aranha” . É esta noção de autonomia que vai permitir a Popper fazer a analogia entre o crescimento do conhecimento e o crescimento biológico, naquilo que se considera ser um dos antecedentes da teoria dos memes.

IV. Autonomia do mundo 3 e o aumento de conhecimento
A ideia de autonomia é fundamental para a teoria do mundo 3, este mesmo sendo um produto humano, tem o seu próprio campo independente, apesar do efeito de retroalimentação entre as nossas criações e nós próprios, entre o mundo 3 e o mundo 2. O esquema genérico do conhecimento tem como ponto de partida um problema P1. A partir desse problema, procedemos a uma tentativa de solução TT que está sujeita à prova de eliminação de erros, EE, que pode ser uma discussão argumentativa crítica ou uma contra-prova experimental. De que forma seja, se for falseada, da nossa criatividade e imaginação irá emergir um novo campo de relações que constituirão novos problemas P2.

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V. Aproximação biológica ao mundo 3
Popper defende a existência de um mundo autónomo mediante uma espécie de argumento biológico ou evolucionista.
Um biólogo pode igualmente interessar-se por estruturas não-vivas produzidas pelos organismos biológicos, como as teias de aranha, ninhos de pássaros ou colmeias de abelhas. Neste âmbito, o autor de “Lógica da Investigação Científica” distingue dois tipos de problemas que surgem do estudos destas estruturas: problemas relativos ao métodos empregados pelos animais, relativos aos actos de produção, isto é, aos modos comportamentais dos animais aquando da construção dessas estruturas; e problemas acerca das estruturas elas mesmas, sob o ponto de vista das suas funções biológicas.

(...)

Nos estudos de epistemologia objectiva, devemos ter sempre em conta a distinção entre problemas relacionados com a nossa contribuição pessoal na produção do conhecimento científico, por um lado, e os problemas relacionados com a estrutura dos produtos, como teorias ou argumentos científicos, sendo que o estudo dos produtos é aquele que é fundamental para compreender a produção e os seus métodos .

(...)

VI. O mundo 3 e a evolução emergente

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Conclusão
Ao estabelecer um paralelo com a epistemologia objectiva de Popper, alguns dos principais problemas que se prendem com o estatuto científico e epistemológico da memética parecem esbater-se. Concebendo os memes como habitantes do mundo 3 e abandonando em parte os impasses das analogias epidemológicas (memes como vírus da mente) e genéticas (memes como genes), a epistemologia objectiva de Popper, sob um posição realista e pluralista, torna-os nos mediadores entre mundos e, por isso, têm uma existência real, efectiva.
Por outro lado, o conceito de uma epistemologia sem sujeito do conhecimento pode abrir as portas para uma maior autonomia da memética no campo das investigações científicas.

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Sugestões:

AAVV, Darwinizing Culture: The Status of Memetics as a Science, organizado por Aunger, R., New York, Oxford University Press, 2000

Blackmore, Susan J., The Meme Machine Oxford, Oxford University Press, 1999

Dawkins. Richard, O Gene Egoísta, Lisboa, Gradiva, 1999

Dennett, Daniel C, A Ideia Perigosa de Darwin: Evolução e Sentido da Vida, Lisboa, Temas e Debates, 2001

Popper, Karl R., Conocimiento Objetivo – Un Enfoque Evolucionista, Madrid, Tecnos, 1992

Popper, Karl R., O Conhecimento e o Problema Corpo-Mente, Lisboa, Edições 70, 1997